Casamento desfeito...





Após o consórcio de Mariana, seria de esperar o de Teresa. Decerto ninguém se há-de amofinar por eu ter preferido desta vez um casamento desfeito. Não é dissolvência de vínculo conjugal, mas apenas rescisão de mero contrato, despido de todo o carácter religioso ou canónico.
Se bem se lembram do que foi dito a propósito do enlace de Jerónimo e D. Mariana, já sabem que a Quinta das Quintãs, em Valpedre, fez parte do dote que o Capitão Ant.º de Araújo ofereceu ao filho para se casar. Talvez não se tenham esquecido também de que o Jerónimo tinha dois irmãos Manuel e António. O que não hão-de saber é que o irmão Manuel — filho mais velho do Capitão teria sido o herdeiro dessa mesma casa e quinta se não fora demanchado um contrato em que chegara a ajustar-se o seu casamento com uma jovem fidalga da vizinhança, moradora na solarenga casa da Quinta do Cabo, em Cimo de Vila de Valpedre.
Como decerto terão gosto de ficar a conhecer a distinta donzela, vai fazer-se a sua apresentação.
Direi, em primeiro lugar, que ela tinha um nome deveras formoso: D. Serafina Pinto da Cunha de São Miguel e Vasconcelos. Era filha de Pedro da Cunha Carneiro e de sua legítima esposa D. Maria Vieira Barbosa de São Miguel — esta oriunda da Quinta da Quintela, em Guilhufe. Sua mãe faleceu nova, em 1709, com 25 anos apenas, em Arrifana de Sousa, onde o marido exercia o importante cargo de Escrivão dos 0'rfãos da Comarca de Penafiel. Serafina tinha então dois meses de existência; Clara Maria, sua irmã mais velha, andava em dois anos e meio.
Pedro da C. Carneiro não quis contrair novas núpcias. As duas meninas cresceram em ambiente da mais carinhosa afeição, graças aos desvelos do pai e da avó paterna, que era madrinha de Serafina. Viveram em Arrifana de Sousa e frequentemente em Valpedre. No ano de 1724, Cunha Carneiro sofreu grande abalo moral com o falecimento da sua mãe, ocorrido na Quinta do Cabo. Foi numa altura em que as duas órfãs, em plena adolescência, mais careciam da companhia e do conselho amigo da avó, que tinha sido para elas a mais dedicada das mães.
A mais velha, Clara Maria, casou em Valpedre, a 11-2-1726, com o Capitão José de Castro Pereira, rico lavrador da Quinta de Bouça Cova, em Gondomar.
Pedro Carneiro, já adiantado na idade, pois nascido em 1668, e também enfraquecido de ânimo por causa dos infortúnios da vida, ardia em sumo desejo de que a sua filha mais nova não tardasse a contrair matrimónio. Sorria ao pai a ideia de que ela se casasse com o filho mais velho das Quintãs o nosso já conhecido Manuel de Araújo de Macedo e Melo. A Clara Maria estava longe, pois teve de ir viver com o marido para Gondomar. A Serafina se casasse nas Quintãs ficaria sempre bem perto do pai, servindo-lhe de amparo e conforto na velhice. E depois não era só fundirem-se as duas famílias numa espécie de única família, — eram as quintas do Cabo e Quintãs a erguerem uma só Casa, como não haveria outra em toda a redondeza!
Assim pensava Cunha Carneiro e assim veio a pensar também o Capitão Ant.o de Araújo. Quanto ao Manuel, não haja dúvida, gostava imenso da Serafina... Eis porque, no decorrer do ano de 1729, pais e filhos, das Quintãs e do Cabo, compareceram certo dia em casa dum tabelião e o casamento do Manuel com a D. Serafina ficou ali assegurado em longa escritura de dote, com as melhores garantias de eficiência.
Lavrou-se, é verdade, essa escritura dotal, mas o matrimónio é que nunca chegou a realizar-se!
Como li num documento da época, o facto deu-se «por respeito de algumas circunstâncias que houve».
O Manuel, desgostoso, nunca mais pensou em casar-se e de boamente concordou que a propriedade das Quintãs passasse para o irmão Jerónimo.
Serafina — nome tão angelical! — só podia encontrar deleite nas místicas núpcias que se oferecem a uma alma em Religião. No ano de 1731 era freira clarissa: «se achava Rellegiosa no Convento de Santa Clara da cidade do Porto».
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1972-02-11, p.04

 

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