Casariam mal?





Mal cabia em si de contente o Cón. Ribeiro Nunes sempre que lhe vinha à lembrança o feliz casamento da sobrinha Mariana com o Jerónimo das Quintãs de Valpedre. Coisa natural, sem dúvida, já que fora ele o artista principal de obra tão bem acabada. Preocupava-se todavia de não ter encontrado ainda quem houvera de ser digno consorte da sobrinha Teresa Angélica.
Não sei bem por que artes, certo dia foi descobrir, adentro dos muros da cidade do Porto, um jovem dotado dos melhores predicados requeridos para o seu caso. Tratava-se dum filho de família distinta, morador na «rua de Sima do Muro», onde vivia na companhia de sua mãe, D. Joana Maria de Melo e Alvim — «Donna Viuva que ficou do Cappitam Manuel Pinto Pereira». Chamava-se José Pereira de Melo e Alvim. O Cónego Domingos simpatizou com o rapaz por ter apelido indicativo de origem fidalga e além disso porque a sua mãe era senhora duma boa quinta, na freg.a da Raiva, em terras do conc.o de Paiva. Convém acrescentar ainda que ele era irmão do Rev. Fernando de S. Pedro — «Cónego secular do Evangelista» —, como irmão era também do clérigo P.e Ant.o Pereira de Melo e Alvim. A D. Joana Maria, quando soube dos desígnios do Cónego Ribeiro Nunes, parecia ter ficado aliviada do pesado luto da sua viuvez, por antever o filho casado com a prendada sobrinha dum Cónego da Sé Catedral, dono da Quinta da Boavista. Desde aí, começaram a estreitar-se as relações de amizade entre as duas famílias e deste modo, dia a dia, se iam entrelaçando mais, em mútua afeição, os corações do José e da Teresa.
Nada se estranhou por isso que dentro de pouco tempo se ajustasse o casamento entre os dois. O tio Cónego Domingos mandou vir então à sua Casa da Boavista o tabelião e foi lá que se lavrou a escritura de dote, no dia 8 de Junho de 1734. Uma cópia fiel desse curioso documento habilita-me a contar o que se passou nessa ocasião
Além do Cón. Ribeiro Nunes, dos futuros esposados e suas mães — ambas viúvas — estiveram presentes qualificadas testemunhas, quais foram o Deão da Sé portucalense, Jerónimo de Távora e Noronha, o Rev Arcediago do Porto, Dom Manuel de Noronha e Meneses, e ainda o Cón. Sebastião de Prada Lobo. Na presença de todos o tio Cón. Domingos começou por dizer que o José e a Teresa «estavam contratados por palavras de presente para, com o favor de Deos e graça do Divino Espirito Santo, haverem de cazar». Declarou em seguida que «recebendo-se hum com o outro, em face da Igreja», dotava à sua sobrinha e futuro marido «a quinta da Boavista, com todas as suas cazas, Cappella, e Campos e almazens». Mais acrescentou ainda que também Ihes dava em dote as «fazendas» e «casas» de Vilarinho e Valqueira, em Peroselo; um «olival» na Quebrada de Rio de Moinhos; «huas terras», na Salgã de Oldrões, bem como a «tapada» da Formiga, na freg.a de «Campanham».
Nesta altura, afigura-se-me ver o prezado leitor a interrogar-se a si mesmo se o nosso Cónego Domingos seria de verdade pessoa muito desprendida dos bens deste mundo.
Deixemos tal consideração mais para diante, que agora nos escasseia espaço para tratar do dote com que a mãe de Teresa Angélica presenteou os noivos.
A viúva Maria Ferreira da Cruz, depois da fala do seu cunhado Cón. Domingos, disse que, «atendendo ao grande gosto e contentamento que tinha em cazar a filha com o dito Joseph Pereira de Mello», dotava-lhes a sua «fazenda» da Quintã e o «serrado» da Devesa, em Peroselo, mais um «olival» na Salgã e «dous olivais», junto «à preza do Inferno», em Luzim.
Agora, de mau grado meu, tenho mesmo que interromper aqui a súmula do dote consignado na referida escritura, por me sentir fatigado de nomear tanta fazenda... O resto virá ao depois.
A avaliar pelo que já vimos, pergunto eu, caro leitor, acha que o José e a Teresa casariam mal?
Por MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1972-02-25, p.06

 

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