Todos a uma mesa...





Quando há cerca de quinze dias houvemos de interromper a leitura da escritura do dote de casamento de José Pereira de Melo e da Teresa Angélica, não se tinha falado ainda da dádiva oferecida aos noivos pela D. Joana Maria, mãe do futuro esposado. Em primeiro lugar veremos hoje como a «Donna Viuva» foi também assaz generosa. Chegada a sua vez de falar, disse, cheia de contentamento, dotar o filho e a futura esposa com «a quinta do Outeiro», que possuía na freg.a da Raiva, incluindo «todas as medidas sabidas» ali pagas, e «o engenho de azeite», também sua pertença. Em seguida, o filho José vem dizer que se dota a si mesmo com «a fazenda que houve por Carta de compra», situada na dita freg.a. Além disso, o irmão deste, P.e Ant.° Per.a de Melo e Alvim, aparece também como doador, por ter «grande desejo» de ver o irmão José casado com a Teresa Angélica; faz-lhe doação de «hua morada de cazas», sitas na «Rua de simo da Lada», no Porto.
A tudo isto que fica dito, podiam acrescentar-se ainda certas disposições referentes a dinheiros e bens de alma, contidas na mesma escritura, mas para evitar delongas dá-se por terminada neste ponto a relação sucinta deste dote de casamento. Importa todavia não deixar de referir o que disse, em último lugar, o Cón. Ribeiro Nunes palavras que foram afinal um esclarecimento sintético do pensamento orientador de toda a dotação feita. O cónego «declarou» então o seguinte: «os ditos dotados viverão em esta quinta (da Boavista) com as dotadoras e dotador, e os terão todos a hua meza, e todo o dispêndio que fizerem sahirá dos rendimentos de todos os bens dotados, de parte a parte, nesta escritura...».
A expressão «todos a hua meza» merece ser sublinhada, porque muita sugestiva...
— Não é ela uma feliz imagem evocadora dos mais puros sentimentos familiares do Cónego Domingos?
De verdade, dera sempre testemunho de muita dedicação à família. Nos primeiros tempos da sua carreira eclesiástica, como já se disse, ele «tratava e curava com grande amor e zello» a segunda esposa de seu pai, aquando de «grave idade e muito doente»; pelo falecimento do Alferes Manuel Ribeiro Nunes, em Vilarinho de Peroselo, recebeu em sua casa da Boavista a cunhada viúva, Maria Ferreira da Cruz, que ali passou o resto dos seus dias, na companhia das filhas; a todos os sobrinhos ajudou o mais possível a elevarem-se na vida. Sem dúvida, trata-se duma simpática faceta da personalidade profundamente humana deste Cónego da primeira metade do século de setecentos...
Na mente do Cónego Domingos, o dizer-se «todos a hua meza» não equivalia sòmente a afirmar vida familiar em comum, em regime de inteira comunhão de bens, mas era mais que isso, — vida de perfeita sintonização de almas e corações!
O caro leitor desculpará de me ter deixado dominar por certo entusiasmo de momento, quase me esquecendo do fio da narrativa. Dou-me pressa em retomá-lo para chegarmos ainda hoje à festa do casamento de José e de Teresa Angélica.
Aos 7 dias de Julho de 1734, feitas as denunciações sem aparecer impedimento algum, na Capela da Senhora da Conceição, da Quinta da Boavista em presença de «muitas pessoas» — o Cónego Ribeiro Nunes recebeu em matrimónio, como manda a Santa Madre Igreja, José Pereira de Melo e Alvim com Teresa Angélica de Melo.
Se o casamento de Mariana se revestiu de certo aparato (socialmente falando), de não menor importância deve ter sido o de Teresa Angélica. Nesse particular, cada um de nós poderá imaginá-lo a seu bel-prazer. Quanto a mim, o que mais me prendeu a atenção foi o facto de Teresa não ter usado no dia do casamento, bem como em todo o tempo ao diante, nenhum dos apelidos de seus progenitores — segundo creio, porque eram de sabor plebeu.
O apelido «de Melo», que figura no assento de casamento e se há-de manter pela vida fora, com exclusão dos da sua família de origem, fora tomado de empréstimo!
Oh! vaidade das vaidades, de qualquer forma, sempre andaste ligada, em todos os tempos, a todos e a tudo que é humano...
Por MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1972-03-12, p.06

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