Prím. Cónego de Peroselo




O meu amigo leitor talvez conheça, ao menos de vista, o Cón. Manuel Moreira, que nasceu em Peroselo, na Casa da Q.ta da Igreja (hoje chamada do Couto), a 16-9-1649. Em tempos não muito distantes, falou-se dele, salvo erro, no Penafidelense, em 57, e de modo mais sucinto, em Penafidel, no ano de 65. No
caso de não lhe ser estranho este Cónego, não me desfaça o prazer de ora me debruçar sobre figura tão peregrina e tanto da minha paixão.
Ele é de verdade o primeiro dos Cónegos de Peroselo. Primeiro cronologicamente, segundo creio, e sem dúvida o primeiro também na ordem da importância. Para evitar suspeição de parcialidade, quem vai fazer aqui a apresentação da sua vera efígie será o P.e Henrique Moreira da Cunha conhecido genealogista da família dos Moreiras, nascido em Parada de Todeia, a 9-5-1695. Por especial deferência do saudoso Abílio Miranda, foi-me facultada a leitura e cópia dum nobiliário do referido autor, manuscrito, acabado em 26-12-1730, ano do óbito do nosso Cónego presentemente guardado na Biblioteca M. de Penafiel. No ramo 6.a (fls. 188-190) lá está delineado o perfil do Cón. Moreira, a traços largos, com alguns pormenores da sua vida, a que não falta gracioso tom de pitoresco. Desse retrato singelo apenas será dado à estampa, desta vez, cerca de meio-corpo — o restante sairá na semana que vem.
Vai aparecer tal e qual, afora grafia, acentos, pontuação e abreviaturas. Apontada esta circunstância, já começa a transcrição:
O filho de Helena Moreira (e de seu leg.o marido, Domingos do Couto, acrescento eu), o Mt.° Rev. P.e Manuel Moreira, ordenando-se de sacerdote do hábito de S. Pedro, foi para Salamanca, Universidade, onde se formou, e daí partiu para Roma, onde assistiu 12 anos, e de Roma veio feito Cónego da Sé do Porto.
Foi homem de muitas prendas e virtudes na sua vida, a qual toda foi muito penitente e nela nunca andou a cavalo; foi e veio de Roma sempre a pé, e a pé todos os anos, até o último da sua vida, foi à Senhora da Lapa e a S. Tiago da Galiza e a outras romarias importantes, mui distantes e remotas. Foi frequente na oração, casou muitas órfãs, amparou muitas viúvas; e quanto rendia o seu benefício era pouco para pobres, tanto assim que deixou os seus bens, que tinha livres, empenhados em conto de reis que gastou com os pobres e em obras pias. Alimentava-se com manjares grossos, comendo quotidianamente tão somente caldo adubado com unto e algum bocado de sardinha, ou um ovo muito poucas vezes, porque se abstinha de tudo que era regalo. Dormia sobre uma tábua, 2 até 3 horas da noite, porque o mais tempo era pouco para a sua oração.
Não vamos mais além. Entretanto, quem gostar de se alumiar com esta candeia ferrugenta, com certeza que não há-de considerar de ora avante a totalidade dos Cónegos do séc. XVIII desprovida de valiosas «prendas e virtudes» sobrenaturais.
MONAQUINO

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