Letreiro na Campa




Segundo aprendi de cor nas lições da Ti Margarida do Muro (Senhora mestra da Doutrina, anciã muito respeitada por todos, que Deus lá tem há um ror de anos!), é conforme li mais tarde também na Cartilha do célebre Abade de Salamonde, sempre fui entendedor de que era grande pecado andar uma pessoa a fazer juízos temerários, acerca de quem quer que seja. Não sei bem se é ainda deste modo que se nomeia tal culpa e se todos dela pensam a mesma coisa, que a minha falta de forças fruto da longevidade — não me consente aguentar o passo lesto do ofuscante progresso teológico de hoje em dia. Valha-me Deus, é tão veloz a sua marcha que tenho mesmo de ficar para trás, a pensar, cheio de melancolia, se até agora não andámos todos enganados! Mas saiba ou não saiba a verdade inteira, seja lá como for, uma coisa é certa: a minha Consciência, aqui há anos, entrou em dada altura a acusar-me de ter incorrido no aludido pecado.
Foi o caso de ter formulado um mau juízo a respeito da honestidade intelectual do falado autor do manuscrito que trata da ramificação dos Moreiras. À certa, foi o Tentador que me meteu em cabeça a ideia de que tudo o que lá se encontra a respeito do Cónego Manuel Moreira era uma pura mistificação de P.e Henrique. Tamanha inquietação se apoderou do meu espírito que decidi logo buscar novas fontes capazes de me revelarem toda a verdade sobre o Cónego de Peroselo, sem qualquer sombra de dúvida.
Ocorreu-me primeiramente procurar o testamento com que faleceu. Esquadrinhei os livros dos tabeliães, e outros, mas não me aparecia. Até que um belo dia, estando a lidar com os Treslados e Registos da Provedoria — em ordem a outra finalidade saltou-mes diante de meus olhos surpresos, o suspirado testamento. Boa razão tinha o douto e saudoso Director do Arq. D. do Porto. Dr. Magalhães Basto, para repetir amiúde: «Na
investigação de documentos, também sucede muitas vezes andarmos à busca de alhos e sairem-nos bugalhos». Para mim. neste caso, foi excelente bugalho!
O primeiro passo desse texto a prender-me a atenção foi aquele em que o Cónego Santo deixou ordenado o seu enterramento. Nele assim dispôs:
«Mando que meu corpo seja envolto nas vestes sacerdotais e enterrado pegado às oliveiras que estão no adro da Capela de S. André desta freguesia (S. Ildefonso), defronte da porta principal dela, cam sua campa de pedra, com um letreiro por cima, que diga:
Aqui está sepultado o Reverendo Cónego Manuel Moreira, que o foi na do Porto, natural da freguesia de Santa Maria de Peroselo, sobrinho que foi do fundador da Misericórdia de Arrifana do Sousa».
O prezado leitor que haja lido o que se escreveu na semana passada acerca da sepultura do Cónego Moreira de Peroselo, com certeza, há-de conjecturar facilmente as considerações que tenho em mente fazer daqui a oito dias, fundamentado no excerto que acaba de ser transcrito. O Monaquino, por sua vez, fica a meditar nessa passagem e no resto do testamento do nosso Cónego, muito satisfeito por encontrar neste texto uma confirmação do testemunho que dele nos deixara o P.e Henrique de Parada.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1971-06-04, p.04

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